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PERDENDO O FÔLEGO

Da minha infância, guardo inúmeras e quase sempre boas recordações: os banhos no córrego, a procura das frutas no mato, as caçadas de passarinhos, os jogos de futebol de meia, o brinquedo de salva-latinha, as incríveis chuvas de vento e granizo, o aquecer ao sol nas frias manhãs de Inverno, o aperto no peito com a chegada do primeiro amor... São histórias que dão um livro; um livro recheado de alegria, de amizade, repleto de saudade da vida que passa sem dó.

Dentre todas essas lembranças, vez em quando uma vem me incomodar. Não é gostosa como as outras; traz um não sei quê de alguma coisa que incomoda o coração. É assim: a vizinha do lado esquerdo de nossa antiga casa guardava consigo um constante mau humor. Era tanto que às vezes ele se desprendia do seu habitat natural e invadia nosso terreiro, vencendo a frágil cerca de arame que separava as famílias. O esposo da mulher, caminhoneiro, poucos conheciam; e ficava apenas sob a responsabilidade dela a educação do único filho que tinham. Zangas, tundas e xingamentos se revezavam e quase sempre se agrupavam em prol das lições de boa conduta.

O menino não era flor que se cheirasse, mas – coitado – não merecia tanta crueldade. Os castigos aplicados a ele, além de frequentes, eram demorados e humilhantes. A vizinhança acompanhava, revoltada, o som das palmadas, das varas e do chicote cortando o ar, e os gemidos de dor que escapavam pela porta entreaberta. O pior era o menino ter que aguentar tudo calado. Se chorasse, a mulher tapava sua boca e seu nariz, deixando-o sem respirar por longos e intermináveis segundos. Do nosso lado, eu imaginava a cena no interior daquela casa. Para mim o sufoco era quase o mesmo. Meu fôlego também se acabava e eu me tornava refém daquele castigo. Que alívio quando nós – eu e o menino – podíamos voltar a respirar! Se ele persistisse no choro, a tortura se repetia até o silêncio ser alcançado. Inúmeras vezes meus pais pensavam em interceder, mas desistiam e falavam que o melhor era manter distância das pessoas daquela casa.

Sei que educar um filho não é tarefa fácil, mas também sei que existem inúmeras maneiras menos agressivas e mais carinhosas de repassar os bons preceitos para uma maneira ideal de levar a vida. A violência naquele tempo não era contestada, mas sempre foi desnecessária. A referida vizinha não pensava assim e aquelas recordações ficaram comigo, me seguiram por esse longo caminho do tempo. Uma lembrança que eu não queria ter, pois é verdadeiramente ruim. Ruim e teimosa. Vez em quando, mesmo que por alguns poucos momentos, ela ainda me faz perder o fôlego.

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