Eu me considero uma pessoa tranquila, de bom coração e, assim, sempre me dou bem com todos os semelhantes. Bem, quase todos. Confesso que há dois segmentos da sociedade que me incomodam, me perseguem, tiram a minha paz: bêbado e palestrante. São seres inofensivos, incapazes de fazerem algum mal, mas não têm limites, não respeitam a minha individualidade. Tento evitá-los, mudo o meu percurso, me escondo se preciso, misturo-me entre as pessoas, mas não adianta. Vão chegando e tomam conta do meu ser como se eu lhes pertencesse, como se eu fosse um reles brinquedo jogado no canto da casa sempre à disposição.
Bêbado não pode me ver que abre um largo sorriso, caminha ziguezagueando em minha direção e, entre tropeços e soluços, logo me alcança. Coloca suas mãos sujas em mim, me abraça e cospe em meu rosto toda sua alegria de me encontrar. Eu fecho a cara exprimindo contrariedade, mas ele não se toca; tento sair e ele me agarra tentando me contar o restante de uma história que nunca teve início. São momentos difíceis, perdidos entre a necessidade de manter a educação e planejar uma fuga. Assim se passam poucos, mas longos minutos até que eu rompa aqueles laços impregnados pela fedorentina alcoólica ou até ser salvo por alguém. Confesso que tenho sofrido muito, já que nem sempre estou com tempo ou disposição para dispensar algumas fatias de prosa. Até me abstenho das festas, pois lá é o seu habitat natural, mas mesmo assim me esbarro amiúde com algum deles por aí. E não é coincidência ou coisa do gênero. Na verdade tenho a impressão de que bêbado sempre caminha ao meu encontro.
Palestrante é pior ainda. Não me dou bem com essa criatura. Evito cursos, simpósios e seminários para não me tornar uma vítima dele. Se eu for, logo o bicho me encontra. Posso estar numa sala com mais de 100 pessoas que em certo momento ele aponta o dedo e diz “Você aí! Você mesmo com pouco cabelo”. Vocês sabem, palestrante precisa fazer uma piadinha para animar o público e ganhar para si a atenção. Para isso escolhe um coitado qualquer da plateia para fazer uma pergunta, puxar uma conversa. E esse coitado sou sempre eu. Ele não quer saber se a gente é tímido, se está desanimado ou com dor de cabeça. Mesmo que eu me posicione nas últimas filas, curvado, fingindo estar escrevendo algo, ele me encontra. “Isso, você mesmo, não adianta se esconder!” E faz a gente se levantar, sorrir sem vontade, dançar, recitar versos de rodeios, olhar nos olhos das pessoas mais próximas, avermelhar as bochechas de vergonha, tudo para o sucesso de sua palestra.
Talvez esse assédio duplo ocorra também com outras pessoas, mas comigo garanto ser mais frequente e de forma mais intensa. Bêbado e palestrante grudam em mim feito carrapato e custo a me livrar deles. Vira e mexe estão mexendo comigo. Coitado de mim!