Olha lá. Estão todas – cinco ou seis – dependuradas, de cabeça para baixo, na garupa de uma bicicleta. Amarradas pelos pés, balançam com o balanço causado pelo desnível do terreno. Em vão dobram o pescoço para cima, tentando endireitar o mundo, reconhecer o ambiente, manter acesa a chama da vida. Tarefa difícil para aquelas aves. Já meio tontas com o constante rodopiar das rodas pertinho de suas cabeças, nem conseguem entender o motivo daquele estranho passeio. Dos esbarros nas ferragens ou nelas próprias, algumas penas já saem da ordem perfeita que a natureza deu às suas asas. Os bicos abertos mostram o calor e o desespero que sentem – cinco ou seis – iminentes e inevitáveis vítimas do domingo.
O condutor da bicicleta para um pouco mais à frente. As aves são olhadas, erguidas e, uma delas, escolhida. As outras continuam o passeio. Naquela desconfortável posição, talvez pensem, eu penso, no terreiro da fazenda de onde vieram: o capim alto da beira da estrada, a sombra espalhada das mangueiras e a bica de água fria que serpenteia por entre as árvores e se esconde no meio do canavial. Um verdadeiro paraíso! Talvez pensem, eu penso, como seria bom correr outra vez naqueles campos, do nascer ao pôr do sol, disputando os insetos que passam e os grãos de milho que caem das mãos da mulher de avental, no fim da tarde. Seria maravilhoso se pudessem voltar!
Aquelas aves, porém, percorrem um caminho sem volta. Já aparecem, logo adiante, os barracos da feira e o murmúrio das pessoas ávidas por uma carne de frango para o almoço. Elas desconhecem, mas, sem exagerar na comparação, é como se estivessem invadindo, desarmadas, uma aldeia de perigosos índios canibais. Serão comparadas, escolhidas, depenadas da primeira à ultima. E se acaso uma delas for recusada e voltar para casa, será muito pior. Como encarar a todos no terreiro da fazenda, sabendo que foi preterida, desprezada? Como olhar nos olhos de cada um e suportar a sua imensa inferioridade? Melhor ser devorada por um carnívoro da cidade do que ser assim tão humilhada.
Fica aqui registrada apenas a minha, vamos dizer, revolta pela vida ser assim. Vejo todo o sofrimento das aves e nada posso fazer. E elas seguem aquele destino cruel, aquele caminho sem volta.