Quando chega o ano novo, as pessoas ficam um pouco mais susceptíveis às emoções. Paz, amor e esperança são sentimentos cultivados; solidariedade é ação praticada com mais entusiasmo, mais energia. Quando o novo ano se inicia, velhos sonhos são reconstruídos, e novos planos são traçados, já que nunca é tarde para construir, para acontecer. Eu também, nessa época mágica, sinto-me assim.
Como a maioria, penso começar diferente os dias do próximo calendário suspenso na parede ou colado na porta da geladeira. Entrego-me ao desejo de rever todos os integrantes de minha família e estar com o maior número possível de amigos. Nessa época, me apego às emoções e me torno pensativo, melancólico até. Sinto as lembranças mais presentes e tropeço frequentemente nas recordações pelos corredores da casa. Das inúmeras etapas vividas, a infância é a mais nítida no brilho dos olhos meus.
De supetão, quando menos espero, me vejo correndo pelos caminhos da fazenda onde morávamos, recanto verde daqueles primeiros anos de vida. Passo pelo mangueiro, contorno o canavial, atravesso a cerca de arame, salto de pedra em pedra atravessando o leito do ribeiro e descanso à sombra das enormes mangueiras ouvindo o canto suave e ininterrupto da bica d’água. Não há como esquecer, só há vontade de lembrar. Quem afirma que esses momentos não voltam, desconhece a nitidez que eles aparecem em meu pensamento, nem imagina a forte presença que manifestam em meu viver.
Hoje mesmo me vi deitado na grama que se estendia no quintal, próximo ao pé de flamboyant, olhando o céu que me cobria: imenso manto azul, com todos os seus mistérios e segredos. Olhei as nuvens levadas pelo vento, formando imagens de bichos conhecidos, e monstros imaginários fazendo caretas para mim. Em minha inocência, pensava que naquela imensidão estava a nossa origem; era de lá, de uma parte do infinito que a gente surgia. Pensava simplesmente, sem saber que estava bem perto da verdade.
Desde esse tempo, sempre tive a vontade de ver surgir no céu um ponto desconhecido, um objeto suspenso no ar, ou até mais de um, passando de mansinho para não incomodar, para não serem incomodados. Hoje vi esses sinais, dezenas deles, titubeantes manchas escuras, movendo-se nas falhas constantes de minhas vistas cansadas. São discos-voadores do tempo, dos anos vividos, afirmando que o prazo estipulado de minha existência está prestes a expirar. Melancólico, mas sem dúvida real!