Era amigo nosso. Conhecido de quase todos por aí quando nossa cidade ainda sorria sem o inchaço de hoje, causado pelo número excessivo de pessoas, e casas, e carros. Tinha seu trabalho, simples, que preservou a vida inteira, aqueles ofícios que rendem para o sustento. Nem para mais, nem para menos. Mais gordo que magro, cabelos já um pouco tingidos pelo tempo, estatura média, do tamanho dos seus sonhos... Mas era feliz, imensamente feliz, tinha sua casa, o velho automóvel, o vício do cigarro, sua família. Tinha a esposa a quem dedicava seu amor. Só depois fomos perceber que não era um sentimento qualquer, um “gostar-por-gostar” como tantos que existem por aí.
O caso foi assim: depois de tantos anos de casados, com filhos criados, com ilusões assentadas, com a tranquilidade que o tempo traz de poder se doar completamente sem o temor de perder um dia, com tudo isso, sua esposa virou a cabeça. Ninguém sabe como verdadeiramente foi o caso. Ou ela se cansou daquela calmaria, ou apareceu um novo alguém. Algo assim é possível acontecer. Possível sim, mas não a ele que sacudiu o coração há tantos anos acostumado à felicidade, não a ele que demorou algum tempo para acreditar naquela surpresa sem graça. A mulher saiu de casa simplesmente, sem atritos, sem explicação convincente. Ele ficou só; os filhos por perto, mas havia um deserto de solidão agora para percorrer. Seu olhar perdeu o encanto, seu semblante caiu puxando consigo as rugas. Seus ombros se dobraram pelo imenso peso da desilusão. A partir daquele instante, era outro que cumpria os compromissos anteriormente firmados, era outro, pedaço dele mesmo, que se sentava frente ao prato de comida na mesa vazia, que se debruçava na janela em noite de lua, em noite da mais pura e insaciável saudade.
Ele me encontrou na rua. Nós nos encontramos. Fez questão de me relatar o fato. Eu ouvi com respeito, como se já não tivesse ouvido os comentários pela cidade. Ele falou de sua mágoa, de sua aflição, e chorou. Nunca imaginei que pudesse ver um dia lágrimas naqueles olhos sempre firmes, sempre serenos. E entre o desamparo de suas palavras e o desfalecimento de seu sorriso, compreendi a imensidão de seu amor, antes imperceptível aos nossos olhares comuns. Elaborei algumas palavras de conforto, pois era meu dever, mesmo sabendo que não alcançaria o objetivo. Como num caso de morte. As palavras são inúteis, estéreis, ineficientes, até indesejáveis. A cruel realidade está ali, imutável. Talvez o que valha mesmo é a presença. E ali fiquei ouvindo, era só o que podia fazer.
Ele morreu. Poucos dias depois, antes de eu cumprir a promessa feita de ir à sua casa para conversarmos melhor. Ele morreu de amor! Nunca pensei que se pudesse morrer assim. No velório lá estávamos todos nós, lá estava ela, sua ex-esposa. Sozinha, de olhos vermelhos. Também chorava. Não, não digo que se culpava, talvez não tivesse culpa, apenas tentara cuidar melhor de sua vida. Mas ele não resistiu à mudança, morreu de repente, ele morreu de amor...