Goiás Interior - A notícia como ela é !
×
Miguel Patrício -

ERRO DE IMPRESSÃO

Devido à pandemia do Coronavírus e o atual toque de recolher, pensei em conversar com vocês a respeito dessa solidão que as pessoas estão enfrentando. Pensei, pensei e vi que tudo ou quase tudo já fora escrito. Os meios de comunicação, em especial a internet, já disseminaram a ideia. Aí me lembrei de um texto publicado há alguns anos nesta coluna que tem muito a ver com a situação atual. Chama-se “Erro de Impressão”. Aí está ele.

Foi um erro de impressão. A nova lista telefônica trouxe o número do meu aparelho diante do nome de uma renomada empresa. E de repente, eu na minha solidão, comecei a receber inúmeras ligações por dia. “Não, aqui é da minha residência”, respondia. As pessoas se desculpavam pelo engano e desligavam. No começo até me senti aborrecido, pois os insistentes chamados viviam interrompendo as minhas costumeiras tarefas, e quase reclamei à companhia.

Não o fiz. Parece que o incômodo não incomodava; o barulho não feria o silêncio; as interrupções não tiravam a paz. Percebi que eu me tornara muito sozinho. Notei que os dias, os anos que passaram me confinaram a um pequeno mundo, isolando-me das pessoas, dos programas, das festas, da vida. Entendi que os insucessos, as decepções, os desamores dessa estrada foram cruéis instrumentos de repressão e me distanciaram do recomeço. Os poucos amigos que me restaram tinham pouco tempo para mim. Já não havia com quem repartir o enorme espaço que me sobrara. Fui depositando-o nos cantos da casa e, quando vi, estava rodeado de solidão.

Assim os inesperados chamados, os alôs, as desculpas e os muito obrigados passaram a ser os meus grandes companheiros. A casa se alegrou e essa alegria contagiou meu sorriso. Era como se eu estivesse sempre esperando por uma visita. Uma nova voz, um novo jeito, um novo alguém eu iria conhecer a cada chamado. Até preparei várias frases para melhor atender, caprichei no sotaque de minha região, cujo orgulho ainda não havia se perdido, e também passei a informar o real número da empresa, como forma de agradecimento pelo telefonema, pela lembrança, mesmo que involuntários.

Sei que outra lista deve sair, e que aqueles que ligaram não tornarão a fazê-lo, mas por um bom tempo haverá alguém deslizando os dedos pela lista à procura do meu número, e eu direi “alô”, agradecido àquele que cometeu esse precioso erro de impressão.

Edições Anteriores
Goiás Interior TV