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Miguel Patrício -

ESSE NEGÓCIO DE MORTE

Era domingo. Acordei com o sol na janela e o canto de um sabiá, que fez morada no quintal, tentando adivinhar a chegada das chuvas. Tudo perfeito! E antes de me levantar, refiz no pensamento os planos para aquele dia que prometia lindo: a feira, a visita aos amigos, o almoço com a família, o descanso da tarde, o futebol, o namoro, o sorvete, a TV e a cama mais cedo, preparando-me para a segunda-feira. Tudo perfeito, quando de repente veio crescendo com o vento o som melancólico de uma música, invadindo a minha rua. A voz consternada de um locutor anunciava mais um falecimento. Dizia quem era o escolhido da vez, seu apelido, o local e a hora do sepultamento.

Aquele dia, que começava bem para mim, era um desastre para a família e amigos do falecido. Nenhum deles teve a alegria de fazer planos como eu. E logo no domingo! Sabe, eu penso que não deveria haver mortes aos domingos, nem no Natal, nos dias bonitos de sol, na verdade penso que não deveria haver mortes. Para que morrer? Que sentido tem adoecer, se definhar, se alojar em uma cama e depois de algum tempo ganhar de presente uma música fúnebre anunciando sua partida? Poderia ser diferente. Mesmo que a Igreja nos apresente a ressurreição, a reencarnação, nos aponte o caminho para uma nova vida, nos conforte assegurando a existência de um plano espiritual, a tal da morte nos incomoda. Tenho certeza de que até os nossos dedicados pregadores dão um frio na barriga quando pensam neste momento que virá também para eles.

Sobre a morte, alguém disse certa vez que a gente se acostuma, mas não amansa. E é verdade, sabemos que ela virá um dia, mas é difícil aceitar. É uma crueldade perder a mãe, o pai, o filho, a companheira, um grande amigo; ou deixar todos eles em companhia de nossa saudade. Esse negócio de morte poderia ser diferente. Quem sabe pudesse ser poupado aquele homem de bom coração que não fizesse uma só maldade, que ajudasse a todos, que vivesse para espalhar o bem e não ajuntar dinheiro. Se a regra fosse essa, o mundo seria maravilhoso, pois ninguém quereria morrer. Imagine: todos jovens, saudáveis, se ajudando, se amando, para sempre! Estou defendendo esse Paraíso aqui mesmo.

Mas a música fúnebre persiste e invade, cada vez mais alto, a janela do meu quarto. Em pleno domingo! Cá entre nós, esse negócio de morte foi mal inventado, e não tem mais conserto. Paz à sua alma... se realmente nos foi concedido uma.

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