Sempre fui um admirador e defensor da natureza. Seus habitantes têm de mim uma atenção especial, principalmente agora que o homem roubou a maior parte de seu habitat natural. Os pássaros, principalmente, estão buscando nas cidades o alimento e o abrigo necessários à sobrevivência. É comum se ver por aí, junto aos pardais, uma pomba-de-bando, uma rolinha, um canário, um bem-te-vi, um joão de barro...
De todos, este último é o que mais me chama a atenção. Como diz um amigo meu, ele é diferenciado! Tem hábitos singulares. Para começar, não mora ao relento, não passa as noites nos galhos das árvores, propenso às intempéries e aos ataques dos predadores. Ele edifica sua casa como um verdadeiro arquiteto, usando barro úmido misturado a esterco e palha. Daí surgiu seu nome. Não é uma tarefa simples como se imagina. Para isso é preciso conhecer o material correto, amassá-lo bem e transportá-lo até à futura moradia que, às vezes, se encontra distante. São incontáveis idas e vindas usando como pá o seu minúsculo bico. É necessário ainda conhecer do ofício para que a casa seja firme, num galho de boa altura, com os compartimentos desejados e a porta no lugar correto. Aliás, este é outro motivo pelo qual o joão de barro conquistou a minha simpatia. Ele sabe, não sei como, e constrói a abertura de sua moradia estrategicamente posicionada na direção contrária à chuva e ao vento.
Sobre esse pequeno pássaro de cores encardidas, contam-se várias proezas. Uma delas é que canta em dueto, assessorado pela fêmea que executa um tipo de segunda voz. Outra é o fato de ser bastante ciumento e vingativo. Ele valoriza o relacionamento amoroso, não tem olhos para outra e exige tratamento semelhante. Se a sua companheira “pisa na bola” e se engraça por outro furnarius rufus qualquer, ele toma uma atitude radical. No mesmo dia em que as aves fofoqueiras de plantão trazem a notícia, prende e abandona a traidora em sua casa, como relatam os poetas Muíbo Cury e Teddy Veira em uma bela canção sertaneja: “Cego de dor, tranca a porta da morada, deixando a sua amada presa pro resto da vida”.
Outras façanhas são creditadas ao joão de barro. Algumas até se tornaram lendas. Mês passado, numa pescaria, ouvi uma delas. Ninguém acreditou, mas o amigo afirmou com tanta certeza que até me suscitou uma pequena dúvida. Ele disse que o tal pássaro é realmente muito dedicado, não mede esforços na tarefa de construir sua casa, mas, para surpresa de todos, não trabalha em dia de domingo! Eu sei, não há lógica alguma. Como um passarinho, mesmo sendo o joão de barro, pode conhecer os dias da semana? Não dá para conceber tal ideia. Na verdade, caçoaram do meu amigo o restante da pescaria. Entretanto confesso que, desse dia em diante, passei a observar melhor esse tal construtor da floresta, principalmente nos dias de domingo.