Seu apelido era manteiga. Não se sabe por que, daqueles apelidos que se ganha na infância e carrega por toda a vida. Taxista, enfileirava o carro junto aos outros num antigo ponto de sua cidade, esperando o cliente aparecer ou o telefone tocar, solicitando uma corrida. Alegre e falante, colecionava amigos e antigas revistas em quadrinhos. Nos frequentes intervalos, enquanto seu táxi calmamente ia se adiantando até ganhar o primeiro posto da fila, ele lavava outros automóveis para aumentar a renda no fim do mês. Vida tranquila aquela. Bem, nem tanto assim...
Certa noite, Manteiga trocava um dedo de prosa com os colegas de trabalho quando o telefone chamou. Era sua vez e ele atendeu. A tarefa consistia em buscar certo passageiro numa fazenda próxima. Não estava tarde e, cálculo feito, daria para retornar à cidade por volta da meia-noite. Ele aceitou o encargo e partiu. Pouco tempo depois, encostou o carro na porta da sede à espera do passageiro que, para sua surpresa, chegou carregado dentro de um rústico caixão. Por um instante ficou parado com a porta dianteira aberta, mas logo se recompôs e, com um sorriso sem graça, deitou os bancos traseiros para acomodar a sinistra carga. Já estava ali, e não ficava bem para sua reputação recusar o serviço. Então, logo se viu na estrada, só ele e o morto; só o morto e ele quase morrendo de medo!
O taxista pisou fundo no acelerador, já que seu acompanhante tinha compromisso logo cedo na funerária, e ele mais pressa ainda de se livrar daquela tenebrosa corrida. Afundava o pé e torcia o volante, seguindo a estrada que os faróis apontavam à sua frente. Não tinha coragem de olhar para trás; vez em quando arriscava uma espiada no retrovisor acima de sua cabeça para se certificar de que tudo estava calmo no interior do veículo, que realmente o caixão permanecia fechado e o defunto continuava tranquilo, acomodado em seu lugar, com os pés emparelhados e as mãos entrelaçadas pelos dedos sobre o peito. Aquela incômoda presença da morte ou, quem sabe, aquela fatigante ausência da vida fazia juntar as suas costas, num arrepio tão forte que parecia rasgar o couro.
A lua não quis aparecer, e a noite estava cada vez mais escura. O mato que corria ao lado parecia guardar mil assombrações e aumentava seu pavor. Nas curvas, sempre que a carga se escorregava para os lados, o assustado Manteiga se derretia todo de medo. Cercado pelo pânico, esperava apenas a hora fatal em que duas mãos frias iam subir tremulantes do caixão e agarrar seu pescoço. E quando o relógio apontou meia-noite ele entrou em desespero, pois sabia que esse era o momento preferido das criaturas das trevas para atacar suas vítimas. Teve a sensação de ouvir o barulho da tampa se abrindo e aquele cheiro de cravo-de-defunto invadir as suas narinas. O coitado se encolheu junto ao volante, suportando os últimos minutos que passavam lentamente prolongando aquela terrível agonia.
Não se sabe quantas preces Manteiga recitou no trajeto até a cidade, mas é certo que só não fez as necessidades naquela hora porque não tinha as fezes prontas. E quando finalmente o táxi se encostou na funerária, ele pulou para fora livrando-se do tormento. No outro dia cedo, mesmo sem dormir bem o restante da noite, o taxista chegou ao trabalho com mais uma história para contar, história que venceu o tempo por mais de 40 anos e se eterniza agora nestas poucas linhas.