Eu tinha sete anos. Menino jogado de encontro à felicidade, junto às outras crianças, no grande quintal que rodeava a sede da fazenda. Havia o curral, o mangueiro, os coqueiros, o córrego e, mais além, o cerrado. Não ficava longe, mas íamos sempre correndo; era impossível controlar a velocidade dos nossos passos. Sabíamos que um exótico pomar se estendia por entre os galhos retorcidos das árvores baixas, de cascas grossas. Pitanga, marmelada, gabiroba, mamacadela e tantas outras frutas se escondiam no verde da folhagem, esperando a nossa chegada. Murici era a que eu mais gostava. Tinha do grande e do pequeno. Amarelinhos, redondos e lisos feito bolas de gude, pendiam-se dos galhos como que se abaixando para facilitar o trabalho da meninada que pulava e sorria, que sorria e pulava, enchendo os bolsos, as sacolas, a boca. Que cheiro! Que gosto! Que alegria!
Eu tinha sete anos. Ainda não sabia que a vida mudava a cada segundo; não sabia que a felicidade era tão frágil e tão efêmera. Certo dia a paz da fazenda foi bruscamente ferida. Apareceu na beira da estrada um monstro de quatro rodas, com uma grande boca aberta estendida para frente e, após um ronco aterrorizante, invadiu o cerrado sem a nossa permissão, sem o aval da nossa pequena vontade. Como um vendaval, foi tombando árvores e pisoteando galhos. Os enormes dentes foram arrancando raízes, sacudindo folhas, derrubando ninhos dos bem-te-vis. O chão ficou manchado do vermelho dos veludos, do verde dos cajuzinhos, do amarelo dos muricis. Cavalgando aquela coisa, um homem parecia que gargalhava, divertindo-se com a destruição. Sua alegria tinha a mesma dimensão da nossa tristeza. Dentro de mim, eu gritava para parar, mas sabia ser inútil. Meu choro nem foi notado; o monstro tinha toda a atenção de todos.
Hoje a vida mudou mais de mil vezes e me levou para vários outros lugares. Uma recordação, porém, me seguiu; não se curvou às intempéries do caminho. Sempre que chega dezembro, e as chuvas constantes tocam a terra, um cheiro de mato sobe do chão e faz lembrar a infância e os muricis. É nessa época que eles ficam mais viçosos, gordinhos, cheirosos. Ou ficavam... O homem acabou com quase todo o cerrado. Faz tempo não vejo uma árvore dessas por aí. Faz tempo não vejo um murici, mas o seu gosto, o gosto da saudade não sai da minha boca. E, pode acreditar, vez em quando um pesadelo me atormenta: por detrás de algumas árvores, aquele monstro aparece derrubando tudo o que encontra pela frente, correndo atrás de mim. Ouço nitidamente a mesma louca risada do seu domador. E fujo, segurando no bolso um valioso punhado de muricis.