O fato aconteceu numa dessas folclóricas cidades do interior, ricas em causos - às vezes trágicos, na maioria cômicos - que fazem a distração e a alegria dos habitantes. A data não há como precisar, mas já se vão uns bons 30 ou 40 anos. Vamos lá.
Um senhor tinha o costume de jogar regularmente na loteria federal. Toda semana comparecia à banca de revistas grudada na estação rodoviária para comprar o bilhete. Porco, elefante, veado... os bichos eram escolhidos respeitando-se um sonho revelador, um acontecimento sugestivo e até mesmo por pressentimento ou simples palpite. O jogo era feito, sem falta.
E atendendo ao ditado “Quem procura acha”, certo domingo a numeração se ajustou, os bichos consentiram e o homem ganhou o primeiro prêmio: alguns milhões de cruzeiros da época. Surgiu, no entanto, um impasse. O ganhador apresentava sério problema cardíaco. Todos sabiam de seu fraco coração, inclusive o dono da banca que conferiu o bilhete e foi o primeiro a se preocupar. Receoso que o sortudo pudesse não suportar a notícia, passou a incumbência ao compadre do fulano que imediatamente dirigiu-se à sua residência. No caminho, naturalmente, foi matutando uma maneira de contar a boa nova sem causar grandes danos.
Assim aconteceu. A visita, que era bem-quista, foi convidada a se sentar e logo um café cheirou e acompanhou a conversa. Após alguns rodeios, o recém-chegado tocou na ferida:
- Compadre, se acaso, algum dia, o senhor ganhasse uma bolada na loteria, o que faria com o prêmio?
O homem retirou o pito da boca, tossiu e respondeu:
- Bem, como aqui em casa todos temos grande consideração para com o senhor e sua família, eu daria com muito gosto a metade para o compadre.
A aturdida visita corou o semblante, seu olhar se esbugalhou, o queixo caiu puxando a dentada inferior, o sangue ferveu nas veias e correu inteiro para o coração que não suportou o baque. Com um ronco semelhante ao do bicho sorteado, debruçou-se pesadamente e sem vida sobre a mesa, tombando a xícara de café. Quem sabe ele também tinha problemas cardíacos, ou talvez não seja realmente fácil suportar certas emoções assim. Sei lá!