Sempre tive curiosidade em saber por que existem os andarilhos. Sempre quis conhecer os motivos que os fazem sair por aí nas rodovias, sujos e maltrapilhos, normalmente carregando um enorme fardo nas costas, sendo impiedosamente castigados pelo sol acima de suas cabeças e por um velho chinelo debaixo dos pés.
E não são poucos. Toda viagem que faço, observo o crescente número deles, passando de cabeça baixa pelo acostamento, uma passarela coberta de poeira reservada a eles. Alheios aos modelos dos automóveis, ao ronco dos motores, às pessoas, alheios à vida que passa... De onde vieram? Para onde vão? Quais objetivos carregam? Precisam de ajuda? São tantas perguntas, e eles passam lentamente levando consigo todas as respostas, além de uma nítida tristeza.
Essas indagações me fizeram, certo dia, parar o carro e oferecer uma carona a um desses andarilhos. Poderia ser um risco, eu sei, mas não resisti. Era um homem de idade já avançada, barba comprida e olhos apagados pelo tempo. Ele se surpreendeu com minha atitude e afastou-se um passo, pensei até que não ia aceitar, mas as portas abertas do automóvel e do meu coração falaram mais alto e ele entrou, acomodando no colo a sua velha e desarrumada bagagem.
O conhecido cheiro de quem não toma banho há vários dias chegou às minhas narinas. O atônito homem olhava só para mim, talvez encantado com minha expressão de alegria, de satisfação em tê-lo ali. Comecei o diálogo perguntando aonde ia e ele se voltou para frente dizendo apenas: “É preciso caminhar; um dia eu chego lá”. Fiz outras perguntas, falei de mim, mas ele se mantinha arredio. Guardei comigo outra frase que eclodiu depois de certo esforço: “Eu tinha que matar ele, mas minha mãe falou pra mim num fazer isso”. Tentei estender a conversa, mencionando que ela estava certa. Ele só completou: “Não matei. Nóis tem que viver de acordo com as leis de Deus”.
Viajamos juntos poucos minutos. A vontade de caminhar bateu forte e ele quis descer. Quase nada fiquei sabendo e não soube como agradecer. Nem me lembrei de lhe dar algum dinheiro ao menos para uma refeição. E o andarilho seguiu, levando sua loucura, seu infortúnio, sua desilusão. Provavelmente não são todos assim, mas aprendi nesse dia, e quase posso jurar, que cada um deles carrega um fardo maior que aquele das costas, um golpe doído desferido pelo destino, que o faz fugir de tudo e de todos, inclusive de si mesmo. E a solução é caminhar...