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Miguel Patrício -

O MODELO DO VESTIDO

Os nomes dos personagens são fictícios, mas a história é verdadeira. Aconteceu lá para os lados de Mato Grosso onde o folclore é muito rico e as tradições são preservadas, resguardadas como um verdadeiro tesouro por sua comunidade. Foi assim: a pequena cidade de Barreirão estava em festa e, dentre as atrações, destacava-se um jogo de futebol bem diferente do tradicional. Os atletas, gente da praça, entravam em campo usando trajes de mulher. Imagine a euforia da população na espera do momento marcado para o espetáculo...

A preparação começava alguns dias antes com a escolha do uniforme. O comerciante Zé da Madalena apresentava pequena intimidade com a bola, mas sabia que a sua atuação em campo pouco valia; vitória ou derrota não tinha importância, o sucesso viria no capricho do traje, na escolha certa das cores combinando com o tom escuro do bigode. E nesse quesito o homem estava tranquilo. Havia conseguido, por empréstimo, um vestido ideal para a ocasião. Tinha a cor rosa-choque, um babado em ziguezague que cobria os joelhos e um decote meio ousado que mostrava o tom vermelho do sutiã. Sem contar a meia, também rubra, que subia pelas pernas tapando a vasta cabeleira. Uma peruca loira completava a vestimenta. Ele estava pronto para arrancar os aplausos e suspiros da plateia.

A hora esperada chegou. Zé da Madalena compunha a equipe da Carne Moída enfrentando o temido time Pau de Urubu. O campo era mesmo de terra. Os torcedores se aglomeraram em volta das quatro linhas e chegaram ao delírio quando os atletas apareceram. Risos, gritos, acenos, assobios e apimentados comentários tomaram conta do local. O comerciante era um dos destaques e corria pra lá e pra cá se aquecendo e esvoaçando o vestido. Seu uniforme de cores extravagantes sobrepunha-se aos demais e, em consequência, era endereçado a ele grande parte dos comentários.

O juiz trilhou o apito e a bola rolou. A galera se divertia com os passes mal feitos, os chutes sem direção e os gols perdidos, porém se deleitava muito mais com os puxões de cabelo, os brincos que voavam, as saias que subiam. Em certo momento, num lance próximo à lateral, o já ofegante Zé da Madalena disputou rispidamente uma jogada, atirando um adversário ao solo. A poeira levantou e a infração foi marcada. Do meio da torcida vários comentários adentraram as quatro linhas: “Dá o cartão pra ele, seu juiz”, “Tira o batom dele no tapa”, “Além de ser cavalo, ainda tá usando o vestido mais feio do time. Olha só o modelo!”. Esse último comentário causou um reboliço na plateia. O autor da frase recebeu um tabefe no pé do ouvido aplicado por outro torcedor do lado, que ainda esbravejou: “Esse vestido é da minha mulher! Tenha respeito!

O pau cantou. Socos, pontapés e mordidas esquentaram o ambiente. Nem a “turma do deixa disso” conseguiu amenizar a confusão. Foi necessário que o delegado Cartucheira entrasse em cena, e nem precisou ser chamado. Ele era o capitão do Pau de Urubu e, exibindo sua saia rodada e a blusinha de renda, levou os dois sujeitos para esfriarem a cabeça no xadrez. Tudo por causa do modelo de um vestido! Ah, o jogo ficou zero a zero.

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