Durante toda a vida, fui uma pessoa cuidadosa e soube lidar naturalmente com meus pertences. Quando criança, os poucos brinquedos que ganhava eram manuseados com carinho e duravam bastante tempo, bem mais que dos outros meninos, eu me lembro. Esse zelo, no entanto, hoje não consigo manter com certo instrumento falante, companheiro do dia a dia, que vive escorregando de minhas mãos, caindo ao chão e se machucando: o celular.
O coitado vivo todo sujo, esfolado, arranhado, às vezes faltando pequenos pedaços, mas firme, falando normalmente comigo, me colocando por dentro de tudo, das novidades, me conectando às pessoas e ao mundo, estendendo os braços para cima sempre que descuida e cai para que eu o acolha de novo. É mesmo um amigão. Só não entendo por que escorrega tanto e se esborracha constantemente no chão. E não adianta trocar, já que o próximo terá destino semelhante.
Parece que celular foi feito para cair: liso, sem beira, nem canto, nem haste. Não há cautela que o segure, não há prudência que o detenha. Se está na mão, escapa; se está no bolso, desliza; sobre a mesa, tomba; na bolsa, encontra o lado aberto do zíper; no colo, vaza entre as pernas. Está sempre voltado para baixo, arquitetando um jeitinho de obedecer à lei da gravidade. Celular pode ser comparado àquelas crianças custosas que vivem brincando, rolando na rua, executando pulos e cambotas, chegando sujas em casa ao final do dia.
Quando alguém compra um celular novo, eu tenho até dó. Principalmente quando é daqueles que têm uma maçãzinha desenhada num canto, aí o sujeito coloca uma película, uma capinha especial, faz uma prece, redobra a atenção e começa a usar. É questão de poucos dias, horas talvez. A ingrata criatura eletrônica executa uma bela cambalhota no piso duro e áspero do asfalto. Até a maçãzinha perde um pedacinho do canto. O dono dá uma pane de desgosto. Eu nem gosto de ver o tamanho do desencanto, da desilusão...
Todos os celulares que tive até hoje caíram; nenhum deles escapou de um tombo. Vários, inclusive, beijaram o chão por mais de uma vez. Raramente conservo, por um tempo maior, um desses aparelhos sem um rabisco qualquer, uma bela trincada ou algo assim. Tenho até vergonha de dizer, mas já deixei um deles, certa vez, cair bonitinho dentro do vaso sanitário. Tirei com cuidado, coloquei no sol para secar, porém nunca mais prestou. Será que isso só aconteceu comigo?
A Lei de Murphy diz que se algo pode dar errado, dará. Penso então que ela melhor se aplica aos tombos de celular!