No tempo em que eu morava na fazenda, era comum se ouvir falar de fantasmas e das histórias que contavam sobre eles. Vira e mexe uma assombração aparecia ou desaparecia pela casa, no cemitério, na beira do córrego, na estrada que dava acesso ao lugar. Parece até que esses seres de outro mundo eram personagens naturais que se misturavam às pessoas, aos animais, aos causos que nasciam junto às fogueiras do quintal nas noites frias e escuras do inverno.
Muitas aparições, entretanto, eram tramadas por alguém mais alegre, brincalhão, que levava a vida “numa boa”. Sempre havia aquele que se divertia à custa de outros, passando medo, se fazendo passar por fantasmas. Um desses casos eu presenciei. O personagem era Tomé, um peão da fazenda, rapaz trabalhador, amigo de todos, sempre bem-humorado e disposto a aprontar uma brincadeira. Quando alguns colegas saíam à noite para ir ao povoado mais próximo ou se divertir em algum pagode nas redondezas, ele já se preparava para executar sua arte. Com uma desculpa qualquer, ausentava e se escondia no denso capinzal próximo da porteira velha, à espera das vítimas. O lugar era ideal, pois se encontrava dentro de uma mata fechada cujas árvores se curvavam sobre o caminho, com seus longos braços esticados. Mesmo que a noite fosse de lua, a escuridão era quase total e quem passava por ali tinha o costume de acelerar o passo, principalmente depois dos boatos que começaram a surgir sobre os frequentes assombros.
Ali, amoitado, o rapaz ficava o tempo que fosse preciso. Logo o grupo de pessoas se aproximava, adentrava o sinistro local e abria a porteira. Nesse exato instante, junto ao rangido da madeira, um longo gemido se ouvia, um triste lamento de uma alma penada que havia se perdido e aparecia ali naquele fim de mundo em busca de oração para acalmar um pouco seu sofrimento. Ouvindo aquela súplica, não havia quem não arrepiasse o corpo inteiro e se lançasse, a pé ou a cavalo, numa correria desenfreada para o mais distante possível. O rapaz se engasgava de tanto rir e voltava contente para a fazenda, contanto aos amigos mais chegados o resultado de mais aquela trapaça.
Dizem que tudo o que se faz nesta vida se paga e às vezes com juros. Penso que foi isso mesmo o que aconteceu. Depois de semear o medo por inúmeras vezes, Tomé se postou mais uma noite no matagal para esperar a volta de alguns colegas que foram a uma festa religiosa na fazenda vizinha. O tempo foi passando. A noite parecia mais negra que de costume, e o frio da madrugada já começava a incomodar. No entanto, ele não desanimou; valia a pena esperar. E quando o ruído das vozes e dos passos alcançou o local, ele se ajeitou entre o capim e fez sair da garganta o mais apavorante gemido que conseguiu emitir. As pessoas se silenciaram e se ajuntaram no meio da estrada para entender o que acontecia. Em seguida, cientes da real presença de um fantasma, desabalaram numa carreira em direção à fazenda. Nesse instante, enquanto o rapaz se curvava de tanto rir, para sua surpresa, ouviu atrás de si uma voz verdadeiramente fantasmagórica dizendo: “Você tá abusando!”
Aquele som trêmulo e rouco, característico das vozes de outro mundo, arrepiou suas costas, seus cabelos e sua alma. O sussurro gutural se repetiu, e seus pelos se eriçaram furando a roupa. Tomé se lançou pelo capinzal, pulando cercas e tombando o mato no peito. Chegou ao terreiro da fazendo junto às outras pessoas que corriam à sua frente. Nunca mais Tomé se fez passar por fantasma.