Este caso se passa no tempo em que o táxi era regularmente utilizado, tempo em que ninguém havia pensado no transporte de passageiro na garupa de uma moto e nem imaginava a existência futura de uma Uber. Na época, Donizetti tinha um corcel. O automóvel era conhecido nas redondezas pelo barulho singular do escapamento e pela cara sorridente do taxista, residente numa cidadezinha do interior.
Certa vez, o motorista fazia frete para um povoado vizinho, quando avistou um animal caído na beira da estrada. Mesmo em boa velocidade, percebeu que se tratava de um pequeno cão branco, novo ainda. O infeliz, atropelado, tentava se arrastar pelo cascalho da via e enfiava-se pela metade no capim. O taxista passou, mas não conseguiu prosseguir. Diminuiu a carreira, parou e voltou a pé ao local. Lá, o cãozinho levantou a cabeça olhando nos olhos daquela inesperada visita. Tentou se erguer, mas em vão; suas pernas traseiras não responderam ao comando do cérebro. Donizetti se agachou, pegou o animal e adentrou por alguns metros o ralo cerrado, colocando-o sob uma lobeira, pequena árvore de poucas folhas, mas o suficiente para proteger do sol aquele coitado ser em seus últimos momentos de vida.
O homem voltou ao carro, girou a chave na ignição e o ressoar do escapamento foi se distanciando até se perder lá na ponta do caminho. O cãozinho dobrou o pescoço, deitando a cabeça naquela terra, sua última morada. Em seus ouvidos, ficou gravado o som daquele automóvel e os olhos de piedade do homem. Algum tempo depois, cerca de uma hora mais ou menos, já ciente de seu triste fim, ouviu novamente o conhecido motor se aproximar. Era mesmo Donizetti que, na volta, resolvera levar o animal, se ainda com vida, até um posto de combustível mais adiante, para ver se alguém dava socorro a ele. No lugar, encontrou um conhecido que residia num sítio por perto. Da estrada podia-se ver o pequeno rancho entre as árvores. Ele se dispôs a cuidar do animal. O sitiante era afeito a uma cachaça, mas naquele dia parecia um pouco mais sóbrio. O taxista deu o caso por encerrado e retornou para casa.
O tempo passou e, meses depois, Donizetti reencontrou o pinguço quase caindo pelas ruas da sua cidade. A pedido dele, resolveu levar o homem à fazendinha onde morava. Foi enorme a surpresa quando encostou o barulhento corcel no terreiro da casa. Um cão branco pulou sobre o veículo, colocando as patas no vidro da janela, latindo e abanando o rabo. Era o mesmo animal que havia socorrido aquele dia na estrada. Ainda mancava um pouco de uma das pernas traseiras, mas estava completamente curado. Com dificuldade, o homem conseguiu abrir a porta e foi abraçado pelo cão que lhe agradecia naquele momento por ter salvado sua vida. Foi um reencontro de enorme emoção para os dois, impossível de relatar aqui devido à inexistência das palavras adequadas.
A senhora da casa, após acomodar o marido num rústico sofá, relatou que o taxista passou a fazer parte daquele lugar, mesmo estando ausente. O cãozinho que aos poucos se recuperou, foi crescendo e não esqueceu o som do carro. Sempre que ouvia o conhecido barulho, corria para o quintal e latia, extravasando seu contentamento, e todos sabiam que o seu benfeitor estava passando lá na estrada. Um caso simples, mas que valoriza a bondade, o amor e a mais pura gratidão. Merece ser contado, ser escrito e lido.