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HORA DA VERDADE

De repente eu me senti velho. Foi um choque para mim. Parei, fui ao espelho e confirmei. Eu estava mesmo velho! Pensava ser um processo natural que eu nem ia notar, que as fases se sucediam normalmente, mas não. A velhice anuncia a sua chegada, é impossível não perceber. Ela vem assim, com a sensação de perda, de luta em vão, de certeza do fim. Trabalhei a vida toda, muitas conquistas e alegrias, ganhava da vida sem saber que a vida me tirava muito mais a cada dia. A velhice, na verdade, é um castigo da vida. O espelho não me deixa fazer sozinho essa afirmação. Ele mostra o cansaço da pele dobrando e deformando o rosto. De repente a beleza se vai e aparece a vontade de se esconder. Uma festa passa a não ter motivo, já que a gente vai para se mostrar; os outros motivos são secundários. E mostrar o quê? As rugas? Velho fica em casa por desânimo, mas principalmente por vergonha.

Além de tudo isso, algo pior me atormenta. Já que estou perto do fim, passei a me preocupar mais seriamente com a vida eterna, a transcendência, o mundo espiritual. Tudo bem, deixei para a última hora. Mereço a reprovação. A gente sempre deixa tudo para a última hora mesmo. Não me envergonho disso. Mas, e a vida eterna? Será que existe mesmo? Nunca tive provas concretas para defender sua veracidade nem para afirmar, com certeza, o contrário. Essa indefinição está me deixando preocupado. Está chegando a hora da verdade e eu ainda estou perdido. Perdido e velho!

Se a vida eterna fosse algo evidente, palpável, a velhice seria um belo prenúncio da eterna felicidade. Se o mundo espiritual não necessitasse de um esforço da mente para acreditar em sua existência, os últimos dias desta vida seriam levados como se leva os últimos metros para se chegar ao piquenique; seriam levados como se leva os últimos minutos para se alcançar o lugar ideal da pescaria. Mas não, a vida eterna, mesmo para os que a têm como certa, pode-se dissolver nas mãos como sorvete em dia de sol. Essa possibilidade existe e só não a reconhecem aqueles que se encontram totalmente dopados do ópio da paixão, da febre do fanatismo que lhes tiram a racionalidade. Ainda há os que se entregam ao desespero, já que a maioria se agarra na possibilidade da vida após a morte como último recurso, ao se ver jogada na correnteza da velhice rumo a uma desconhecida e turbulenta cachoeira.

Entre acreditar e ter certeza há uma grande diferença. Há um longo caminho a ser percorrido, e é na velhice que pisamos esse pântano fértil de inconsistência. O esforço e a necessidade para se acreditar na vida eterna são acentuados quando as doenças aparecem. Doença é um recado da morte. É aviso de que o tempo está se esgotando. Remédio, esperança e fé podem retardar o encontro, mas ele é inevitável. Para a maioria que se diz preparada, na hora da verdade vem o temor; para os demais a desconfiança aparece atrapalhando a concentração com o transcendente.

Então, de que vale a experiência da “bela idade”? Vale, mas vale menos que o desgosto, que a frustração de se ver no fim. Passei a vida inteira cuidando do corpo, dos dentes, dos cabelos, da pele, e agora está tudo acabado. Só me resta, como a todos nós, a vida eterna, se ela não for uma invenção da mente humana que, de tão pequena e frágil, precisa se agarrar em alguma coisa mesmo que não seja palpável. Só me resta a vida eterna, se não for apenas uma ilusão.

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