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Goiatuba -

UMA VIAGEM SEM FUMAÇA

Roberto Lourenço

Era final da década de 60, início dos anos 70.

E Goiás se convertia na nova fronteira agrícola. Com tecnologia, o cerrado goiano passa a ser o alvo dos produtores paulistas, que compram fazendas em toda a região sul do estado. E a necessidade de mão-de-obra atrai os migrantes nordestinos. Povo sofrido! Chegam literalmente aos montes, nas carrocerias dos paus de arara.

A rodoviária, que ficava no prédio onde até pouco tempo funcionava o Supermercado Goiatuba, tinha sofrimento de sobra. Homens implorando por trabalho, por um prato de comida, e até por um banheiro. O pernoite era onde desse pra encostar. Quem já se instalara em alguma fazenda, de tempo em tempo ia à cidade fazer a feira.

Lembrando como tudo era, percebo que a gente estava bem próximo ainda dos trogloditas. Éramos mesmo chucros.

E uma viagem de “Expresso” resumia bem o primitivismo que ainda caracterizava o nosso povo. Ir de Goiatuba ao Palitó (Vicentinópolis), ou o contrário, era A Viagem! Embarcamos numa dessa, com destino ao Palitó. O Ivone Preto, proprietário do Expresso N. Sra. da Guia, também motorista, Mecânico, eletricista, e o que aparecesse na viagem, estaciona a “nave” no local de embarque e adentramos, rumo ao incerto.

As paradas sabíamos de cor... Brasília Bar, Barreirão, São Domingos, Lagoa dos Patos, Joviânia, Juca Coelho e finalmente no Palitó! Correndo bem... Sabe a Lei de Murphy? A que diz que se algo pode dar errado, dará?

O Expresso já se coloca na rota. Eu na poltrona 06, janela, Dona Maria na siamesa 05, corredor. Sempre tive o estômago sem paciência com cheiros. A Dona Maria também, mas com pessoas.

E nem saímos da cidade e o ocupante da poltrona atras da nossa acende um cigarro Arizona. E começa a usar a fumaça como se exibisse um souvenir, assoprando aquele veneno em nossa direção.

Olhei pra Dona Maria e ela já estava xingando entre dentes. Pensei: isso não vai dar certo. Paramos no Barreirão e todos descem, mas rapidamente reocupados os nossos lugares e seguimos viagem.

Não deu nem tempo do Ivone fazer a sequência de marchas e o cavalheiro acende outro cigarro. Olhei por entre os bancos, quase como uma súplica pra ele não fazer aquilo, mas o homem sugava com tanta força na ponteira vermelha do cigarro, que eu ficava convencido de que ele extraia um sabor semelhante ao de um chocolate, e sendo assim era melhor eu enfiar o nariz na janela, porque agora ele ia soltar a fumaça que sugou. E como tinha fumaça pra soltar!

A Dona Maria ficou inquieta na sua poltrona. E mais uma vez o ritual de fumacê se repete. Então, pra minha vergonha, ela vira pra trás, olha no olho do algoz, e: o senhor podia me dar esse cigarro?

E o homem mais que depressa pega o maço do bolso e estende a mão pra ela, oferecendo um cigarro. E ela responde: Eu não quero um novo. Eu tô com desejo é nesse que tá na sua boca. E aquele diálogo que mais parece uma mulher cantando um homem, incomum à época, chama a atenção de todos no Expresso.
O homem, meio sem graça com a suposta cantada, com um sorriso literalmente amarelo, entrega o cigarro pra jovem senhora. Então, ela se levanta, ficando no corredor, e com a mão direita segura o cigarro aceso e com a mão esquerda abre o cinzeiro que tinha na ponta do braço da poltrona. Todos a olham sem entender nada.

Aí ela levanta bem o braço direito com o cigarro aceso, e vai descendo devagar em direção ao cinzeiro, como se fizesse um aviãozinho pra neném papar, ao mesmo tempo em que fala todos os xingamentos que ela aprendeu durante a vida: Desgraçado, fedorento, excomungado, fídumaégua, fumacento, fedido, ocê tá me passando raiva tem muito tempo! Agora cê vai apagar e me deixar em paz, cão dos infernos!!!

A essa altura só duas pessoas não riam de doer a barriga; eu, com vergonha da minha mãe, e o dono do endiabrado cigarro que a Dona Turca acabara de exorcizar no cinzeiro.

E a viagem prosseguiu sem que NINGUÉM ousasse acender um cigarro sequer! Mas só por um dia...

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