Eu me lembro. Foi na década de 70, ali perto de onde hoje se encontra o Fórum Municipal. Só não dá para precisar o ano, pois nunca me dei bem com datas. Mas vamos lá. Um avião desses pequenos sobrevoou a cidade, desabafou sua raiva com roncos assustadores, deu várias cambalhotas e de repente mergulhou, roçando copas de árvores, chocando-se contra o solo a certa distância das últimas casas. O barulho foi enorme. O susto também.
Naquele tempo a cidade era pequena, tinha poucos habitantes e todos eles, sem exceção, saíram para ver o ocorrido. Homens, mulheres, indecisos, crianças e idosos lançaram-se numa corrida desenfreada na direção do acidente de avião. Jovem ainda, quando alcancei o portão de casa, metade da cidade já havia passado por mim apontando, exclamando, sorrindo e gritando. Carros, motos, bicicletas e cadeiras de rodas abriam caminho entre a espavorida população que corria para o local. Todas as atividades foram interrompidas. E com razão. Era preciso ver de perto aquele acontecimento único, num lugar de poucos acontecimentos.
A cerca de arame do fim da cidade foi levada no peito. O capim, amassado e pisoteado como se por ali tivesse havido um estouro de boiada. As irregularidades do terreno foram alisadas e logo a aeronave foi rodeada de pessoas que fecharam o cerco, empurradas pelas outras que chegavam. Quando alcancei o lugar, avistei ao longe aquele tumulto. No teto do avião, alguém manejava um extintor apagando as últimas labaredas e também contendo a multidão. A cada jato, os curiosos se afastavam, mas logo se aglomeravam novamente como se quisessem tocar nos destroços. Algo assim feito um coração, comprimindo e dilatando-se bombeando a curiosidade. O piloto, único tripulante, era levado em direção ao hospital por um dos automóveis que chegaram primeiro. A pouca distância, completando o cenário, os galhos quebrados da copa de uma mangueira. Nos olhos das pessoas, era nítida a alegria, a satisfação de estarem ali presenciando aquilo tudo. Foi a maior atração, até hoje não superada, na história de nossa cidade.
Muitos causos ficaram. Inúmeros comentários se sucederam com ilustrações e consequentes aumentos. A comunidade se alimentou do fato por muito tempo. Dentre os relatos, a causa do acidente: o piloto errara numa manobra quando se exibia executando uma pirueta dupla, seguida de um “parafuso”. Porém, de todos os casos, o mais conhecido foi aquele da mulher que deixara seus afazeres e se jogara naquela corrida louca, ultrapassando os concorrentes, empurrando os mais próximos, contornando arbustos, até tropeçar num cachorro que acompanhava a batida. A coitada deu com a cara no chão, rolando-se no cascalho e pisoteada implacavelmente pelos seus perseguidores. Foi a segunda vítima da tarde, atendida na sala de emergência do hospital. Nos dias seguintes, quando saía às ruas, escorada numa bengala, cheia de bandagens e com um braço na tipoia, todos comentavam com o bom-humor característico de nosso povo: foi acidente de avião!