A banalidade da violência no trânsito e os discursos pós-morte
Aceitar que a violência possa ser um fato normal é uma tentativa de diluir o terror que ela provoca, de se submeter aos seus efeitos. A barbárie e o terror se manifestam de várias formas. Uma delas é forma como são apresentados os fatos. Uma série de justificativas infundadas e espetaculares que impossibilitam a capacidade de apreensão e de reflexão sobre os acontecimentos é o dado concreto do discurso que banaliza a violência.
A cada feriado prolongado cria-se uma expectativa sobre os acidentes de trânsito nas rodovias federais. O carnaval de 2011 foi o período mais violento nas rodovias brasileiras desde a existência da Polícia Rodoviária Federal, criada há 83 anos. Foram ceifadas as vidas de 213 pessoas que morreram nos locais dos acidentes. Segundo estudos do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – mais dois terços de pessoas feridas perdem a vida nos trintas dias subsequentes ao acidente. Isso quer dizer que as rodovias federais brasileiras produzirão 358 mortes no Carnaval de 2011. Mais de 2.000 pessoas feridas terão que conviver com sequelas físicas e psicológicas decorrentes dos acidentes de trânsito nas rodovias federais durante o Carnaval de 2011.
Há alguns anos, o sistema sindical da Polícia Rodoviária Federal vem denunciando esse quadro de tragédias e de mortes que ocorre nas rodovias federais brasileiras. A vida na estrada nada significa para as autoridades responsáveis pela segurança nas estradas. Importa, sim, é ter uma boa “justificativa” para a morte. Não é de hoje que a administração da Polícia Rodoviária Federal “comemora” as tragédias rodoviárias. Ali, Fala-se em centenas de mortes com um indisfarçável sorriso no rosto, pois morte na estrada significa indicador econômico positivo.
Por vários anos as justificativas apresentadas convenceram parte da imprensa e da sociedade de que a culpa é sempre do condutor ou, então, da agenda positiva do Governo – economia em expansão; estradas melhores; combustível mais barato, mais viagens. Existe um mínimo de verdade nessas argumentações, mas, 99% das justificativas não passam de mera retórica. Como pode o crescimento da economia de um País justificar milhares de mortes. A prova disso é que uma possível redução das mortes em decorrência dos acidentes rodoviários jamais seria anunciada como indicador de queda dos índices econômicos.
Nesse Carnaval de 2011, um dos coordenadores da Operação Carnaval da Polícia Rodoviária Federal admitiu que nos próximos anos a quantidade de mortes nas rodovias serão mais “significativas” em razão do aumento da frota de veículos. O que significa a vida para quem a morte é “significativa”? Um outro coordenador da PRF declarou que o número de mortes no carnaval foi elevado, todavia, “apreendemos uma tonelada de cocaína”. Quantas vidas valem uma tonelada de cocaína apreendida? Esse é o discurso que banaliza a violência no trânsito. Discurso produzido por aqueles que deveriam planejar e conduzir ações no sentido de reduzir os acidentes e as mortes. Mas não importam as mortes e as lesões. Importa o discurso pós-morte. Mesmo que a entrevista seja dada ao lado de um helicóptero policial “cenográfico” que, há mais de ano de sua aquisição, não sai do chão para salvar vidas ou prevenir acidentes.
O que falta, na verdade, aos responsáveis pela segurança no trânsito nas rodovias federais é a capacidade de ação proativa, de planejamento e de fiscalização. Por isso, produzem o discurso pós-morte para banalizar a violência no trânsito de hoje e dos próximos anos.
Quantas pessoas morrerão na Semana Santa? Não se sabe. Depende de alguns fatores que se evidenciarão na ocasião de produzir o discurso pós-morte. De todo modo, as desculpas espetaculares e cenográficas já estão sendo cuidadas. O discurso irresponsável pode ser tão violento quanto a própria morte.
José Nivaldino Rodrigues
Presidente do SINPRF/DF
Autor/Fonte: Alexander Diretor Social SinprfGO