Diários de uma Bicicleta II
Sobre Afeto
Sábado, a noite chegou não programei nada, preferi esperar o domingo cedo pra pedalar no mato. Dormi mais cedo (00h30min) que de costume e lá fui Eu ao acordar.
Saí por volta de oito da manhã. Sol muito forte, dia lindo, perfeito para uma pedalada. Esta trilha começa logo com uma boa descida que em alguns pontos conta com pequenos quebra-molas. Aos 14 anos fui vice-campeão de bicicross em Goiás, não posso ver uma rampa que quero saltar. Numa destas rampas (quebra-molas) lá vai Eu. Vi de longe, pedalei mais forte, dei mais marcha (esqueci-me de afivelar o capacete), e quando chegou ao quebra, dei o impulso e saltei, um salto bacana que me elevou, e mais alto resolvi dar um efeito e girar o guidão da bicicleta. Foi bonito, fiquei de lado, alto... Mas, mais bonito deve ter sido o pouso...
Cai na estrada ainda sem ter voltado o guidão e a bicicleta girou inteira em cima de mim, e Eu de costas no chão. Quando bati as costas e a bicicleta concluiu o giro, mais algumas piruetas aconteceram. Eu e bicicleta capotando... Estava no canto da estrada e acabei batendo a cabeça num mourão de cerca, cai e então fiquei imóvel, deitado no chão. De repente abri os olhos e me vi ali, sozinho, no mato, imóvel, todo empoeirado, na terra, caído.
Parado, tentei me mexer e nada. Fiquei ali pensando, o que fazer. Nada me ocorria, simplesmente não conseguia movimentar nenhum membro, fiquei aterrorizado, ouvindo só o barulho do vento. Pensei: - Ainda bem que o pessoal sabe por onde ando. Se ficar aqui algumas horas, logo alguém virá me procurar e estará tudo bem. Tranqüilizei me por poucos instantes, quando ouvi uma voz:
- Será que se machucou? - Olhe o brilho dos olhos dele! Pode ser que nos ouça!
- Imagina! Claro que não, Ele é humano!
Que coisa estranha, pensei. Que diálogo sem sentido, de onde vem? Olhava até onde conseguia mexer os olhos e não via ou ouvia mais ninguém, quando de repente percebi bem rente ao chão, tal quais meus olhos uma formiga Saúva. Ela era grande, e parecia querer falar algo comigo. Logo fechei os olhos e me impedi a este delírio. Como poderia? Estar ouvindo um diálogo de formigas?!?! Sem absolutamente nenhum sentido. Abri os olhos e logo Elas insistiram e uma fixou seus olhos nos meus:
- Percebemos que pode nos compreender. Queremos compartilhar um pouco de nossa missão contigo, pode nos conceder um tempo?
Fiquei atônito. Tentei novamente me mexer, mas sem chance. Só pensava, estava imóvel. O que teria sido aquele tombo? Minha respiração ficou muito ofegante, e congelado percebendo só os movimentos do meu coração, quase enfartei. Vendo-me sem chances, decidi ceder àquela loucura.
- Do que se trata? Só levei um tombo de bicicleta e estou aqui impotente falando com formigas?!
- Calma, como se chama? Eu sou a Sensitiva e logo que te vi percebi que poderia nos compreender, e sugeri ampliar nosso contato. Posso perceber coisas que aos mais práticos são inconcebíveis, este é meu Dom! Aqui cada uma de nós tem uma especialidade, dom, talento, qualidade diferente.
Mais perturbado ainda respondi meu nome e perguntei o que era aquilo, afinal, num instante estava pedalando por uma estrada, e de repente caio numa rampa, vejo uma trilha de formigas caminhando para seu formigueiro e do nada começo a conversar com estes insetos!!! - O que está acontecendo!?
O Líder local logo assumiu: - Nada acontece por acaso. Você caiu aqui para que pudéssemos lhe mostrar algo e para tal preciso que tope um desafio. O Mago vai lhe aplicar um veneno que lhe permitirá estar conosco, por um tempo. Quer conhecer um pouco de nossa comunidade?
- Que papo é este de Sensitiva, Mago, Líder, formigas falando comigo?
- Aqui cada uma de nós tem um talento e nos completamos assim. Quer saber mais, deixe que o Mago lhe aplique um líquido que o diminuirá a ponto de poder ver nossa história.
Confuso, e sem muitas opções decidi ceder. - Ok! Que seja. Deixe-o aplicar, quero ver no que vai dar!
Logo o Mago se aproximou de meu braço direito, numa injetada só introduziu seu ferrão em minha veia e em poucos instantes fui diminuindo até ficar do tamanho delas. Em pânico comecei a me debater e gritar para que alguém me ouvisse. Em vão... Só existíamos Nós ali. Eu e as formigas. Entreguei-me.
Convidaram-me para descer e conhecer sua colônia. Achando tudo aquilo uma completa loucura, fui. A descida me convenceu ao diálogo, por mais insano que pudesse parecer, enfim já estou aprendendo a lidar mesmo com as diferenças, me deixei guiar por Elas.
- Aqui cada uma tem uma missão! Falou a Professora com ternura.
- Como é isto? Cada uma faz uma coisa diferente?
- Sim. Conforme cada uma vai crescendo e mostrando sua paixão, vamos incentivando e encontrando um lugar para que possa aplicar suas habilidades.
- Mas não se exige um padrão para que cada um ou grupo siga? Como assim, cada um faz o que quer?
- Não compreendo! Respondeu uma delas inconformada.
- Não é exigido que determinados grupos, sigam um determinado caminho?
- Que Caminho? Cada uma aqui define e dita seu Caminho. Porque definir um padrão que fosse diferente à natureza de cada uma? Cada qual tem a sua Lenda Pessoal! Amamos e só aumentamos o afeto umas pelas outras exatamente pelas diferenças que temos. Cultuamos estas diferenças, é o que nos mantém vivas. Cada uma dando o máximo de si naquilo que é boa, e fazendo isto com muito Amor. Não tem como dar errado. Com Afeto, qualquer diferença desaparece.
...Continua na edição....(126) e a primeira crônica da série Diários de uma Bicicleta está no blog: https://batalhainterior.blogspot.com.br/
Fabrício Maurício de Oliveira, Psicólogo de 36 anos especialista em Gestão de Pessoas, Personal e Professional Coach. Enveredando ser escritor. fabricioliver@hotmail.com