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É Deus ou não?

Para quem não acreditava em Deus em razão da abstração, agora não pode duvidar mais: a justiça brasileira acaba de atestar que Deus existe, e que Ele é de carne e osso.

A história já é de conhecimento público. O magistrado João Carlos de Souza Correa, em 2011, foi parado numa blitz de trânsito no Rio de Janeiro, por dirigir sem carteira de habilitação um carro sem placa de identificação.

Até a parada do carro se tratava apenas de uma pessoa, durante a abordagem começou a discussão e a transformação, já que o “abordado” disse seu cargo: era juiz de direito.

Por supor que a apresentação fosse um recado na base do “sabe com quem está falando”, a agente rebateu que ele seria juiz, não Deus. Com mais um pouco de boa vontade dos julgados, essa fala poderia ser interpretada dentro daquela máxima dos meios jurídicos de que todo juiz pensa que é “deus” e os desembargadores têm certeza.

A situação de quem trabalha em fiscalização no Brasil é complicada por conta dessa cultura tupiniquim de dar tratamento privilegiado a alguns.

São vários e tradicionais os exemplos de condutas semelhantes de deuses menores. Um dos mais marcantes foram os gritos do pedreiro Mário José Josino, que suplicava um “ai dotô”, a cada borrachada que o soldado Rambo lhe desferia. E esse grito de desespero não tinha nada de ironia e soava como uma deferência àquele que minutos depois se tornaria seu algoz.

Outros deuses de Brasília sapecaram um índio vivo. Outros mataram um calouro afogado na Universidade de São Paulo, assim os deuses vão impondo seu poder, ceifando vidas dos pobres diabos normais.

Além desses, talvez por negligência ou só por acaso, mas com certeza com o auxílio da soberba da fama, os ex-jogadores Edmundo e Guilherme, os cantores Alexandre Pires, Renner e tantos outros destruíram vidas e famílias. Estão por aí livres, leves e soltos, prontos para atacar a qualquer momento que sintam necessidade de firmarem seus poderes.

Nessa linha, em 2000, Barbara Gancia escreveu um artigo com o título “Uberlândia, quem diria, está de pires na mão”, onde relacionou algumas malfeitorias de vários famosos. Nesse ponto a nossa democracia não tem avançado. Agora, essa agente passa a ser a vítima da vez desse comportamento social arcaico de priorizar cargo, fama ou riqueza em detrimento de quem age com correção e dignidade.

Ainda que as palavras da agente tivesse parecido ironia, ninguém pode avançar a ponto de afirmar e puni-la por isso, já que não constam informações jornalísticas sobre alguma testemunha confirmando a tal ironia.

Além disso, notícias dão conta de episódios similares praticados pelo juiz. Há relatos de uma confusão com um casal de turistas em Búzios por terem reclamado do barulho de uma festa realizada pelo magistrado. Um policial de trânsito teria sofrido ameaças, um funcionário de uma concessionária de energia também...

Não surpreende que os colegas do juiz punam a agente por ter realizado um trabalho correto e não ter se impressionado com a patente de juiz. Causa estranheza não haver notícia sobre alguma medida tomada pela Corregedoria de Justiça do Rio de Janeiro para averiguar os vários episódios envolvendo o magistrado que, com certeza, não é Deus para a população, porém para a justiça do Rio de Janeiro é brasileiro nato, e carioca da gema.

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