Eu não queria, mas me calei. E alguém da minha família resolveu comprar, do vendedor que passava, uma dúzia de pintinhos e a ração própria para criá-los. Em minha opinião, é bem melhor comprar as aves já abatidas. Dá menos trabalho. Claro que criá-las pode ser mais econômico. O vendedor até disse que os pintinhos cresciam tão depressa, que se parássemos pra observar, poderíamos vê-los crescer, um pouquinho, a cada minuto.
E embora a princípio não concordasse, me envolvi com aqueles bichinhos, que passaram a fazer parte integrante de minha vida. Também não é pra menos. Como eram bonitos! E fofinhos! Sempre que chegava do trabalho, eu passava pra dentro do cercado, pequeno mundo deles, e com as duas mãos, afagava aqueles montinhos amarelos de ternura, de piados e olhinhos ávidos de carinho. Mesmo sendo tão parecidos, eu sabia a diferença que havia em cada um deles: um rosto mais magro, um rabinho mais empinado, um biquinho mais curvo... Sentia pena do frio que eles sentiam, da falta da mãe, da sorte que os esperavam. E eles foram crescendo. O vendedor não havia mentido tanto assim. Se eu passasse fora um final de semana, era o bastante pra notar o crescimento que apresentavam. Só podia! Viviam comendo!
Porém, crescer, para todos nesse mundo, sempre foi um problema. Daquelas doze criaturas, não sei se em decorrência do peso um pouco exagerado, uma apresentava as pernas a cada dia mais tortas, tanto que, quando já estava na época do abate, quase não mais andava. Isso, na verdade, não era um grande problema pra ela, já que seu espaço era muito pequeno, não precisava procurar por água e comida, e era desnecessário correr pra fugir do dono quando chegasse o dia de ir conhecer o assoalho e as paredes quentes de uma panela.
Eu até pensei que aquela ave abandonada pela sorte seria a primeira da lista. Era a mais feia de todas, pernas tortas e rabo sujo de tanto se arrastar de um lado para o outro naquele monte de palha de arroz e cocô que cobriam o chão. Enganei-me. Uma por uma, em espaços regulares de dias, as aves foram arrancadas daquele lugar e abatidas na frente das outras que assistiam, desesperadas, à cena que se repetia cada vez mais ameaçadora. Para minha surpresa, a ave das pernas tortas havia ficado por último. Pus-me a imaginar o motivo. Só podia ser piedade que alguns poucos seres humanos ainda carregam no coração. O seu defeito físico, as suas penas sujas, a dificuldade em alcançar o recipiente que guardava a comida salvaram-na até aquele momento.
Uma semana se passou e veio o domingo. Havia chegado sua hora, pensei. Um bom domingo não passa sem uma boa galinhada. Porém, havia me enganado mais uma vez. Com surpresa, entre as compras que chegaram, vi, enrolada num plástico, uma ave já abatida. A piedade foi tanta que resolveram não sacrificar aquela pobre criatura acolhida pelo azar.
O tempo passou e a ave passou a ser minha melhor amiga. Todas as tardes, víamos juntos o pôr-do-sol. Os raios amarelos que acariciavam suas penas sujas eram os mesmos que tocavam meus cabelos. Ela sabia quando eu estava triste e eu também passei a conhecê-la melhor, tanto que via no fundo dos seus olhos, no seu triste modo de andar pela vida, a indiscutível verdade, a enorme tristeza de não ter sido a primeira ave a morrer.