Hoje é dia de descanso; raro hoje em dia. Aproveito e fujo dos horários, das sirenes, do trânsito, das pessoas. A natureza me vê chegar calmamente, como quem não quer incomodar, interferir no sistema, na organização, no harmonioso entrelaçar da fauna e da flora. Piso de macio a gramínea, aproximo das primeiras árvores, toco as folhas do galho que se inclina para me receber. A borboleta surge repentinamente e, em suas evoluções, escreve no ar frases de boas-vindas. Eu retribuo com um sorriso. O pássaro muda de lugar. Ele tem lá seus motivos – a sombra que refresca, o inseto que passa, a companheira que chama. O vento assobia uma canção e se embrenha na mata, feito onda de rádio, espalhando a melodia. A cachoeira, ao longe, também canta, encanta. As aves respondem e segue o concerto.
Adiante, escolho o estreito caminho que se perde entre as folhagens. Também quero me perder. E vou. Alguns passos mais, batidas de coração a mais, e o verde das plantas se afasta dando lugar ao verde das águas. Minha surpresa exclama: um lago! Lindo, do jeito que vejo nos cartões postais - uma ironia, pois deveria ser o contrário - a límpida face, o reflexo da luz do sol, a vegetação característica das margens, o tronco caído, a ave que espreita os peixes, as papoulas que vagarosamente nadam entrelaçadas umas às outras formando naus coloridas. Tudo lindo, só faltam as letras embaixo, do lado direito, para indicar a localidade. Olho o céu ainda claro e imagino como seria, ali, o entardecer.
Hoje é dia de descanso, e me sento à beira do lago. Eu o observo e ele me observa. Sua calma me sacode a poeira. Nos olhares que trocamos, ele me rende e me repreende. Feito pai que puxa a orelha do filho, faz “replay” em meu pensamento das imagens de tudo o que tenho feito comigo. Vejo claramente a prisão em que me encontro, rodeado de papéis e de paredes. Vejo a corrida pelo lucro numa pressa sem medida. Vejo horas do meu tempo dadas às máquinas; e minutos, às pessoas. O lago é feito espelho que reflete a verdade. Sua calma fere o meu coração. Ele me diz que a felicidade não se encontra no caminho que escolhi passar. Eu o observo e vejo seu desejo de me ver melhor. Ele me observa e vê duas lágrimas que caem e se misturam às suas águas.