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APRENDIZ DE BENZEDOR

Certamente muitos de vocês já ouviram falar em aprendiz de feiticeiro, no entanto poucos têm conhecimento da existência de um aprendiz de benzedor. Pois é, há poucos dias tomei conhecimento de uma dessas figuras...

Estava ele, junto ao seu mestre, cobiçando para si uma das rezas mais atraentes daquele vasto campo da obscuridade. Pensava ter alcançado o momento, o equilíbrio necessário para a pronúncia daquelas preciosas palavras. O mestre ainda hesitou por alguns dias, achava necessário mais um prazo de treinamento, mas finalmente revelou ao seu discípulo o segredo que o transformaria em um toco, ou seja, um pedaço de madeira. Era a melhor proteção para um momento de aperto, uma boa maneira de despistar eventuais perseguidores. Uma forte benzedura, digna de um respeitado benzedor ou, no caso dele, de um dedicado ajudante.

E, numa sessão solene, circundado por quem de direito e necessário, ele se apoderou da reza que tanto desejava conhecer. Era quase uma magia, um feitiço, era uma beleza! A partir daquele momento sentiu-se mais forte, mais poderoso. Poderia desaparecer por completo no meio da mata, misturando-se às outras madeiras, enganando por completo o inimigo. Só precisava testar, e aguardava a ocasião adequada. Isso mesmo, com uma reza não se brinca. Não se transforma em um toco e volta ao estado normal de ser humano por brincadeira. Era necessário esperar.

E o momento apareceu já no mês seguinte, numa noite de festa junina em sua cidade. Quadrilhas, fogueiras, música, comidas. Alegria, rojões, gritos... Espere! Esses fogos não são de artifício. Alguém havia disparado um revólver e corria da polícia em sua direção, misturado a inúmeros e assustados foliões. O aprendiz só pensou em fugir e, quando viu, já estava fora da praça, adentrando o cerrado na orla da cidade. Voltando-se por um instante, avistou dois policiais em seu encalço. O que fazer? Ele não era o culpado, mas não seria fácil se explicar. Então lembrou-se da reza e agradeceu à confusão. A hora era oportuna para pôr em prática seu conhecimento. Parou, recitou as palavras certas no tom escolhido e vupt! Caiu ao solo rente ao capim um toco mimoso, roliço, com inúmeras outras de suas características. Os soldados chegaram, rondaram, desistiram. A caça havia se evaporado, como num passe de reza.

Foi um momento de êxtase que ele quis prolongar por mais alguns instantes e ali ficou olhando inerte para o céu, vendo as estrelas e ouvindo o canto dos grilos. O deleite era tanto que parecia levitar e passear por entre as árvores, saindo do cerrado e retornando à praça. De repente se viu brutalmente jogado nas brasas ardentes de uma fogueira. Faltava lenha e ele foi o primeiro pedaço de pau encontrado por dois voluntários. O fogo alastrou-se pelo seu corpo enquanto o encanto era quebrado e ele retomava seu aspecto original. Saiu correndo, apagando as labaredas que ardiam em seu traseiro. O mestre estava certo em sua análise inicial: o aprendiz de benzedor ainda não estava preparado.

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