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BALA PERDIDA

Eu encontrei uma bala perdida. Não foi uma tarefa difícil já que tantas passam voando por aí sobre nossas cabeças. Era um momento que eu sempre temia, mas aconteceu. Um momento que via constantemente na televisão, que imaginava estar distante de nossa realidade, mas era engano. E vou mostrar como foi...

Parecia tudo calmo, tudo normal. As pessoas se deslocavam pra lá e pra cá, seguindo a corrente. Como em um grande formigueiro, pisavam a trilha habitual levando e trazendo cada uma o seu fardo, cumprindo sua tarefa. Parecia tudo calmo, mas era uma calma aparente, enganosa, como aquela que precede a tempestade. Eu passava pela calçada em minha pressa rotineira, nos poucos minutos que me faltavam para retornar ao trabalho. Mergulhado em meus pensamentos, não percebi a movimentação das pessoas no fim da rua. De repente senti um calor no alto do peito e uma mancha vermelha cresceu aos poucos no branco de minha camisa. Foi aí que ouvi o estampido e notei os olhares de surpresa nas pessoas que passavam. Era mesmo uma bala perdida.

Caí de joelhos e tombei ao solo quente desta cidade grande conduzida por mãos incertas e cada vez mais violenta, sem proteção. Nela, os habitantes percorrem um destino que não foram traçados por eles, assim desconhecem o caminho que pisam; seguem apenas, sem saber aonde vão chegar. Frágeis criaturas, cumprem as suas obrigações sem pensar, sem questionar. À noite trancam-se em casa e, durante o dia, saem já olhando para os lados, sem a certeza de que irão voltar. A luta pela sobrevivência é sempre o maior objetivo. São tantos sonhos perdidos que nem dá mais para contar; são inúmeras lágrimas que ainda vão nascer e correr por estes rostos cansados. É negado a eles saúde, educação, cultura e segurança. Só lhes restam a fé, as orações e a convicção de que muitos como eu ficarão pelo trajeto.

Eu encontrei uma bala perdida, e esse encontro roubou todos os meus planos, deixou incompletas as minhas atividades, levou para sempre esperanças e anseios. Nem me foi permitido dizer adeus. Sou mais uma vida que se perde em meio a esse turbulento e perigoso mundo que o ser humano construiu. Por aqui a paz não tem tempo de se estabelecer; a cada dia surge um novo conflito. Lutando pela ambição ou pela sobrevivência, a maior parte da população agride direta ou indiretamente seus semelhantes, roubando-lhes tudo o que possuem, inclusive a esperança.

Agora vou cumprir minha última tarefa: ser noticiário de rádio, jornal e TV, já que os veículos de comunicação sempre viveram da desgraça alheia. Notícias como a minha são as mais desejadas numa sala de redação.

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