Mal o filhote caiu ao chão e foi lambido pela mãe, ergueu-se cambaleante nas quatro patas, trêmulo pelo enorme tempo curvado, amarrotado em um útero aconchegante, mas muito pequeno. Era lindo! Extremamente branco, com uma mancha escura na testa, assim meio vermelha, da cor do céu num límpido ocaso de outono. Não havia quem não se admirasse com seu porte, com sua beleza. Todos paravam para observá-lo. Era mesmo um lindo bezerro de raça.
Foi imediatamente apelidado de “Candidato” pelos peões da fazenda. Naquela lida de gado era necessário um nome para cada animal: Soberano, Barão, Estrela, Primavera, mas Candidato? O nome causava estranheza para os visitantes, porém soava normal aos ouvidos de todos dali. É que havia uma peste, uma terrível e desconhecida peste que, de tempos em tempos, aparecia e dizimava pequena parte do rebanho, sempre os melhores espécimes, os mais puros, os mais sadios, os mais bonitos. Assim o bezerro era um sério candidato à morte. Era só preciso esperar o momento certo escolhido por ela. O detalhe é que a língua do animal pestilento sempre desaparecia, como se fosse cortada e levada feito troféu. E não havia explicação para o terrível mal que assolava aqueles pastos por ininterruptos quarenta anos. Não havia remédio que pudesse evitar aquelas tão dolorosas perdas.
Candidato crescia. Forte e travesso. Corria pelo curral, brincava e crescia, cada vez mais bonito, mais garboso, cada vez mais candidato. O dono da fazenda acompanhava seu crescimento sabendo da sorte – ou azar – que o aguardava. Era, porém, uma pena que aquele bezerro fosse mesmo preferido pela doença. Muitos torciam por ele. Quem sabe agora fosse diferente; quem sabe a peste escolhesse outros; quem sabe quarenta anos fossem o suficiente para aplacar aquela sede de morte. O candidato crescia. Bezerro, garrote, touro... não, não chegou lá. Certa manhã apareceu com uma tristeza nos olhos, daquelas de quando se perde um amor; uma baba escorreu pela boca, uma fraqueza tomou conta de suas pernas e ele aninhou-se próximo ao cocho de sal. Uma mancha de beleza desmanchando-se naquele canto de cerca, talvez já sem a língua. Era a peste, teimosa peste, que mais uma vez vinha matar sem piedade.
Nada podia ser feito. Todos sabiam daquele triste final. Não entendiam, mas sabiam. Evitavam, sim, comentários. Havia certo receio adornando aquelas estranhas mortes. Mas rumores diziam que uma pessoa podia esclarecer o caso: o pai do fazendeiro. E lá estava ele na sombra da varanda, escorado numa preguiçosa cadeira, parece que dizendo baixinho, como se falasse para si mesmo: “Tome, Satanás! Leve a melhor parte, a quota prometida por mim. O melhor do rebanho é sempre seu. Assim foi nosso trato.
Você me enriqueceu e sou-lhe grato por isso. Leve o que quiser, até que eu também me vá”.