Domingo é um dia especial. O futebol, a pescaria, o churrasco, a família, os amigos. Tudo aquilo que a semana nos tira, o domingo nos devolve. Até o sono, mas que se deve dosar, senão o tempo se torna pouco para as outras felicidades. E como o domingo é pequeno! É preciso uma escala de atividades, um planejamento estratégico, uma distribuição sensata das horas e dos minutos para cada afazer dominical.
Everaldo sabe disso e, naquele domingo logo após o almoço, sua agenda aponta para a visita, algumas vezes já adiada, à sua irmã Madalena. O bairro era perto e logo ele se aproxima do local. Da esquina pode notar que algo diferente estava acontecendo, pois sua irmã se encontrava debruçada na pequena cerca que rodeava a casa, gesticulando e falando alto, mesmo estando tão próxima de duas outras senhoras, salvo engano, suas vizinhas. A poucos passos da entrada, era impossível não ouvir o ocorrido.
** Eu sabia que ele ia matá-la! – bradou a irmã.
** Já estava demorando – emendou a primeira vizinha.
** Tinha que acabar assim mesmo – arrematou a vizinha número dois.
O homem foi cumprimentado de forma que sua chegada não viesse ferir a conversa. O sorriso de boas-vindas, tal a pressa, se revelou mais um aceno de adeus. E o assunto prosseguiu:
** Até que enfim ele percebeu que estava sendo traído – bradou a segunda vizinha.
** O marido é mesmo o último a saber – emendou a irmã.
** Um tiro foi pouco – arrematou a vizinha número um.
Transpondo o portão, Everaldo arrisca uma pergunta levado pela natural curiosidade.
** Houve tiro mesmo?
** Se houve! – Bradou a primeira vizinha.
** No meio da testa! – Emendou a vizinha número dois.
** E olha que ele era um homem pacífico – arrematou a irmã.
O homem dá um passo para dentro da casa em busca do cunhado e dos sobrinhos, mas se detém para uma nova pergunta:
** Que dia foi isso?
** Ontem. Todo mundo viu – bradou a irmã.
** Deve sepultar amanhã – emendou a segunda vizinha.
** Não perco por nada deste mundo! – Arrematou a vizinha número um.
Everaldo não consegue enfiar-se por completo na residência. A mão direita no portal mantém sua cabeça de fora.
** Mas quem é mesmo que morreu?
** A sem-vergonha da Lazinha na novela das oito! – Responderam em coro as eufóricas mulheres.
O homem finalmente se deixa levar por seus passos, e se joga no sofá ao lado dos sobrinhos, e suspira de alívio por estar distante de toda aquela violência. Quanta surpresa o domingo nos revela! É mesmo um dia muito especial.