Eu queria ser uma vaca. Viver andando por aí, demoradamente, no espaço reservado para mim deste lado da cerca. Seria maravilhoso! Eu não teria preocupações, não teria desilusões, não teria dissabores. A vida seria calma, sem aquele tic-tac apressado do relógio me impulsionando, me coagindo a correr, me obrigando a cumprir metas muitas vezes inconsistentes, nem mesmo traçadas por mim.
Pode parecer irracional essa minha afirmação, mas eu queria ser uma vaca. Estaria sempre feliz, pastando mansamente ao lado de minha família, numa tranquilidade santa recebida dos céus. Sem aquela necessidade louca de ser melhor que os meus semelhantes; sem a ambição desmedida de ter sempre mais; sem inveja das minhas amigas sagradas do outro lado do mundo. No máximo olharia com admiração o capim verde que cobre as margens do ribeiro.
Ah, eu iria berrar ao mundo a minha liberdade; iria principalmente observar a quietude que cobre os campos e que se esconde na sombra da mata. Não teria horários, mas sim todo tempo do mundo para ser o que sou. Não teria que me fragmentar e dedicar meus pedaços a vários e modernos “Senhores de Engenho”. Não viveria me crucificando por ajuntar riquezas sem a sabedoria de dividi-la. Enfim, não exigiria de mim mais do que sou capaz, não me exigiria abdicar da felicidade.
Chifre? Ora, eu carregaria, alegrando-me por saber que isso não é privilégio apenas dos irracionais. Eu queria ser uma vaca! Não me canso de ruminar essa ideia.