Dizem que são mais felizes as pessoas que têm histórias para contar. Eu tenho uma, e aconteceu comigo. Voltava de uma cidade vizinha, em meu carrinho amarelo, quando avistei à distância, na beira da rodovia, um desses senhores de idade, chapéu na cabeça, botina, calça e camisa surradas do trabalho. Um desses nobres chacareiros, trabalhadores da terra. Ele esperava. Devido à minha admiração pela classe, encostei e ofereci carona. O homem alegrou o semblante, entrou e sentou, segurando o chapéu sobre uma das pernas. Senti, de sua parte, uma louvável preocupação sobre o local onde colocar os pés para não sujar o veículo. E a conversa fluiu...
Falamos do tempo, das dificuldades da vida, dos descasos do Governo, da contrapartida Divina. Ouvimos Tonico e Tinoco e compartilhamos opiniões a respeito da insensível música moderna. Foram poucos quilômetros de uma companhia agradável. Eu acertara no convite. O tempo até passou mais depressa. Logo chegamos a uma estrada vicinal e o humilde senhor apontou para uma casa também humilde, encostada ao matagal, a uns cem metros além do colchete. Ele desceu e, com o chapéu nas mãos, perguntou quanto me devia. Eu sorri e disse que nada. O homem insistiu no pagamento e tive que ser convincente para não receber. Compreendendo, enfim, que eu nada cobraria, agradeceu, convidou-me para uma futura visita, colocou a mão no bolso e me estendeu uma nota pequena. Fez questão que eu levasse aquele valor para jogar na loteria de números. Hesitei um instante, e resolvi aceitar. Dei meia volta e ainda notei um aceno desejando-me boa viagem.
O restante do trajeto passei analisando o fato. A atitude daquele senhor havia-me surpreendido. Quem sabe aquela simplicidade, o desejo de agradecimento pela carona, a santa fé de quem vive nos campos estavam contribuindo naquele momento para uma mudança radical em minha vida. Naquele nota havia certa auréola de esperança criando uma enorme expectativa, me levando a acreditar na certeza do prêmio maior da loteria. Sempre achei que, para acertar todos aqueles números, deveria haver um grande motivo; não seria apenas questão de sorte. E o motivo havia chegado, havia-se materializado no desejo de alguém pela minha felicidade.
Cheguei em casa à noitinha. Coloquei a nota com cuidado, separada das outras, na carteira. No dia seguinte bem cedo fiz o meu jogo e, com a mesma nota nas mãos, peguei a fila para o registro da cartela, posteriormente guardada como um tesouro quase real. Chegou o dia da conferência e eu esbanjava ansiedade. Não acertei um número sequer! Para dizer a verdade, passou muito longe.
O caso não chegou a ser uma decepção; valeu pela expectativa. Acho que devia ter perguntado àquele senhor quais os números que eu deveria jogar...