O pequeno pomar se estendia até à frágil cerca de arame que circundava a casa. Inúmeras árvores se erguiam, conquistando seu espaço, em busca dos raios de sol e dos pingos de chuva a que tinham direito. Mangueiras, laranjeiras, jabuticabeiras, abacateiros e tantos outros “eiros” e “eiras” exibiam os seus frutos que, gentilmente, eram ofertados aos donos da casa.
A alegria reinava no lugar. Era trazida, todos os dias, no bico dos pássaros, que entoavam canções de amor à natureza. Chegava também cavalgando o vento, pousando nos galhos, balançando as folhas. Às vezes, a alegria surgia romântica no cheiro das flores, perfumando o ar, espalhando-se por todos os cantos do bonito pomar.
Bem, nem todos os cantos. Daquele lado de lá, rente à cerca, um cajueiro não compartilhava dessa alegria, desse amor à vida, desse canto de louvor a Deus pela graça da existência. Ninguém por ali entendia o motivo real da sua tristeza. Não, ele era belo, sem dúvida, era belo e tinha também sua parte dos raios de sol e dos pingos de chuva. Não, não era isso. E o cajueiro chorava. Todos viam as gotas de orvalho da manhã, caírem, por muito mais tempo ao chão, à sua volta.
O motivo era simples. Ele fora trazido ainda novo, dentro de uma lata, e plantado assim. Somente o fundo fora retirado, por onde cresceram suas raízes. Ele se fez adulto e aquela lata resistiu ao tempo, apertando-se em seu tronco, rente ao chão. Parecia, sim, uma saia. E ele passou a ser motivo de algumas brincadeiras, de alguns comentários dos seus colegas de pomar.
Nenhuma maldade, no entanto. Eram palavras e sorrisos tirados do âmago daquele clima alegre que os rodeavam. Mas, para o cajueiro, qualquer referência à sua “saia” era motivo de se regar, mais e mais, o chão à sua volta com as gotas de orvalho. Era muito incômodo aquele abraço, terrível a prisão em que vivia. As fortes bordas da lata machucavam-no, sufocavam-no, por fora e por dentro, e ele chorava.
Sua tristeza era imensa. Em decorrência dela, os seus primeiros frutos ainda não haviam chegado. Era imensa sua tristeza. Havia sido notada também pelo seu dono que, um dia, depois de visitá-lo, chamou a esposa de lado e disse, baixinho, que se os frutos não viessem na próxima estação, ele iria substituí-lo por uma muda de pêssego. O cajueiro ouviu apenas parte da conversa, mas foi o bastante para entender. E a sua amargura foi maior ainda com o desapontamento de seu dono. Os pássaros cantavam, as flores se abriam, o vento assobiava, as plantas sorriam e o cajueiro chorava. Pedia a Deus, que lhe deu a vida, que a tirasse. Como ser alegre se aquela sua casca de metal nunca se renovava, se aquele abraço o apertava sempre mais, se todos os sorrisos e cochichos pareciam ser por causa dele. Era preferível morrer!
Assim, numa noite chuvosa e fria, o Senhor de Todas as Coisas ouviu as suas preces. Por entre a tempestade, um raio surgiu, atingindo o triste cajueiro. O metal que o envolvia foi atirado longe. O cajueiro deitou-se ao chão, num último gemido, livre finalmente de sua prisão. Nesse momento de agonia, sua alegria foi maior que toda a alegria do pomar.