Para quem vive na cidade, fazenda é paraíso. É preciso conhecer, saborear a beleza do amanhecer num horizonte virgem da presença humana; acompanhar a água límpida do riacho que segue sem pressa para desfrutar um pouco da paz que também é sua; aprender a dança das árvores no ritmo suave do vento; prender na retina as cores únicas do entardecer; se extasiar com a miríade de pirilampos no pé da serra numa noite sem lua. Fazenda é recanto onde não tem canto de motor, e sim, da pomba-de-bando interpretando a saudade, em espaços regulares, como se contados fossem os segundos, chamando seu par.
E nesse paraíso vivi momentos inesquecíveis. Colecionei cenas da natureza e fui colando na memória, uma a uma, feito álbum de figurinhas muito especiais. Recentemente colei mais uma, que mostro agora para vocês: um frangote, já no fim da tarde, no terreiro ao lado da casa, aproveitando a ausência do galo velho, engraçou-se por uma galinha e arrastou as asas rentes ao chão na direção de sua conquista. A fêmea até assustou-se diante daquele atrevimento, mas aninhou-se, atendendo talvez à sua condição de procriadora ou, quem sabe, aceitando o galanteio do jovem e elegante “Don Juan”, em sua iniciação sexual. E naquele momento, o rapaz não se deixou levar pela timidez, pulou sobre a dama, bicando-lhe o alto da cabeça e se abaixando até fazer um “x” com as penas dos rabos. Ninguém lhe ensinou; a própria natureza automatizou os movimentos.
A surpresa vem agora. O frangote tocou o chão e sacudiu as penas, já se preparando para executar sua cantiga, aprendida dias atrás. Não conseguiu. A galinha partiu furiosa sobre ele, desferindo-lhe bicadas e pontapés que mais pareciam golpes de capoeira. De início ele pensou em revidar, depois em se defender e, finalmente, bateu em retirada frente à agressividade feminina. Não sei se ele entendeu essa atitude da galinha; eu mesmo ainda não compreendi. Será que ela se arrependeu do ato praticado? Sentiu-se frustrada por não ter resistido aos encantos do jovem galanteador? Lembrou-se de que havia traído o atual namorado, aproveitando-se de sua ausência? Ou quis mostrar ao frangote que ela é quem determina a hora do acasalamento, para não fugir à regra? Não sei. O que conta é o “x”, nada mais importava naquela questão. E o novo galo subiu ao poleiro, feliz como nunca, e entoou seu canto.
