Hoje fui surpreendido ao realizar uma compra num certo estabelecimento comercial. O bom-dia, o pedido, o embrulho, a cordialidade rotineira, tudo certo até então. A surpresa veio com o troco. Detrás do balcão, o homem alto, peso leve e de boa idade puxou uma gaveta e, dentre tantas notas, escolheu as duas mais novas e as estendeu a mim, acompanhadas de um leve sorriso. Até hesitei-me por uns segundos, depois me refiz e apanhei as cédulas a que tinha direito, guardando-as no bolso. No meio da meia-volta que me conduzia à saída, olhei para trás e ainda tropecei naquele sorriso.
No caminho de casa, me perdi nas curvas dos meus pensamentos e nos labirintos das minhas indagações. Qual o verdadeiro motivo daquela atitude? O que o levou a agir assim? Ninguém pode negar que aquele gesto foi, no mínimo, estranho, incomum, raro até, nos dias de hoje. Qualquer pessoa, em sã consciência, despacharia no troco as notas mais velhas, deixando para si, apesar de terem o mesmo valor, aquelas mais novas, mais durinhas, bonitas e fáceis de manusear. Há uma inexplicável sensação num maço assim enchendo as mãos da gente.
Então, por que o homem foi diferente? Há de haver alguma coisa por trás de tudo isso. Inconscientemente, qualquer um me empurraria as notas mais amassadas, rasgadas e até faltando pequenos pedaços.
Pensei em voltar ao estabelecimento e buscar, como se fosse nova compra, um embrulho de respostas. Não o fiz; seria, no mínimo, inconveniente. Caminhei, assim, pisando minhas dúvidas, até ao portão de casa.
Mas, quem sabe, e por que não, aquela fosse uma atitude rotineira daquele homem, atendendo não só a mim, mas a todos com simpatia e cuidados. Não sei, o que sei é que ele ganhou em mim um novo freguês fiel às boas maneiras e à rara educação. Ganhou, principalmente, com esse simples gesto, a minha mais sincera admiração.