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Espaço Cultural -

PERNAMBUCO E BAIANINHO

O lugar era ideal para pescaria. Tinha a canoa à disposição na beira do rio, muito verde e um entardecer de prender os olhos e a respiração. Os turistas sempre apareciam; mais numa época do ano, menos em outras. Cheguei e, como de costume, passei a observar os detalhes, o diferente, as pessoas do lugar.

Percebi que não havia apenas um dono, mas dois que se avizinhavam. As choupanas, construídas no mesmo estilo de arquitetura, eram dispostas a boa distância umas das outras, já que espaço ali não faltava. Eram separadas, mas ligadas entre si pela existência de apenas um banheiro e um lavatório que serviam a todos. Era ali que as pessoas, oriundas de diversas regiões, tomavam banho, lavavam as vasilhas, recolhiam água, se cumprimentavam, se conheciam, contavam suas origens. Era ali que relatavam as aventuras daquele fim de dia e divulgavam os planos para a manhã seguinte. Uma dose de cachaça e um pedaço de peixe frito animavam a conversa.

- Eu estou no Pernambuco. E você?

- No Baianinho. Gente boa taí.

Eram dois, realmente, mas onde se encontrava a divisa? Eu precisava me orientar, me descobrir, me estabelecer. Na verdade não sabia de que lado estava. Aos poucos me informei com a minha turma, com os outros, entre um causo e outro, um gole de cachaça e um pedaço de peixe frito. Avistei a cerca, rústica e generosa, com apenas dois fios de arames lisos, quase inexistente, acostumada com a frequente travessia pra lá e pra cá. Conheci os proprietários: alegres, fanfarrões, divertidos. Cada um em um ponto, não necessariamente no seu, mas nunca juntos e isso me intrigou. Continuei a investigação.

Dizem que, em alguns casos, é melhor não remexer, e fui só até aonde podia. O local funcionava há mais de 20 anos, sempre dirigido pelos dois, com certa organização e relativo lucro, mas...

- Eles não se falam!
- Há muito tempo. Desde que chegaram aqui.
- Vivem juntos, resolvem os problemas, mas não trocam um dedo de prosa.
- Se um deles é citado, o outro logo se retira.

Juntando pedaços, reconstruí o caso. A desavença aconteceu quando uma chuva braba passou pela região e derrubou uma grande árvore na estrada, interrompendo o acesso ao lugar. Os dois homens se dirigiram para lá munidos de cordas, facões e machados, cada qual com sua experiência, com a prática trazida de seus estados de origem, com seu jeito próprio de resolver as questões. Na defesa do ponto de vista, em lealdade ao bairrismo, o desentendimento brotou, cresceu e as vozes se alteraram. O clima ameno e a brisa leve que ficaram na rabeira da chuva, não conseguiram esfriar aquelas cabeças. Não houve agressão física, mas nada agride mais que o desrespeito e a incompreensão. As palavras feriram profundamente e em seguida emudeceram. O silêncio eternizou a contrariedade. Nada mais se fala, já que palavra alguma diria o bastante para desfazer o embaraço ou amenizar a mágoa nascida.

Quanta solidez numa vontade! Quanta firmeza numa decisão! Pernambuco e Baianinho não conhecem os benefícios do perdão e certamente manterão o silêncio até o fim de seus dias. Dá o que pensar...

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